Raciocínio Jurídico #2

By | maio 15, 2020 3 comments


A série RACIOCÍNIO JURÍDICO nasce de uma constatação que vai além do meio dos concursos: a dificuldade de muitos na elaboração de raciocínios jurídicos, isto é, na CONSTRUÇÃO de teses, ao invés da mera REPRODUÇÃO da lei, doutrina e jurisprudência eventualmente encontradas ou recordadas. Em provas subjetivas, orais e no cotidiano profissional, cada vez mais tem sido exigida a capacidade CRIATIVA de elaboração de respostas bem fundamentadas.

Com esse objetivo, buscarei trazer, em forma de questionamentos/maiêutica, assuntos que não têm, prima facie, uma resposta clara e inequívoca. Farei isso sem a pretensão de fornecer ou sugerir resposta sobre os temas lançados, senão a atividade perderia o sentido de ser. Quem quiser, sendo aprovado ou não, por razões de concurso ou cotidiano profissional, pensar sobre o assunto e/ou construir a resposta nos comentários, fique à vontade!

Como se sabe, a maiêutica é conhecido método socrático de, multiplicando as perguntas, induzir alguém a alcançar a sua própria estruturação do pensamento. 

Lembro que o raciocínio jurídico pode ser exigido de diferentes formas em provas e no cotidiano, como, por exemplo, diante: (i) da inexistência de resposta indiscutível prévia, tal como sucede na problematização sugerida, caso em que nem a consulta aos materiais tradicionais resolve a celeuma; (ii) do esquecimento e/ou da não localização da fonte do direito na prova/cotidiano; (iii) da necessidade de contextualização do tema e da fixação da relação lógico-argumentativa entre os parágrafos (do contrário o discurso seria apenas uma soma de frases soltas); (iv) do ato de subsumir/ponderar, já que uma regra, por mais esmiuçada que seja, necessita de sua concretude (fixando o dano moral, pleiteando/deferindo algo etc.). Kelsen, v.g., diz que a norma concreta, exatamente em razão de sua concretude, tem mais do que a norma geral. No mesmo sentido, a semiótica trabalha com o abismo gnoseologico entre indicadores ("elementos") e predicadores ("classes") e com a arbitrariedade nessa correlação/incidência. Com isso quero dizer que, em maior ou menor medida, o raciocínio jurídico será exigido e é importante desenvolvê-lo!








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3 comentários:

  1. a) A apelação foi provida. De início, cabe assinalar que todo processo tem como pressuposto básico a discussão sobre um encadeamento composto de: fato, hipótese normativa, fato jurídico, relação jurídica, direitos e deveres, demanda. Nesse sentido, assinala-se que o Código de Processo Civil (CPC) dispõe em seu artigo 490 que “o juiz resolverá o mérito acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, os pedidos formulados pelas partes”, ou seja, a parte dispositiva da sentença versa/decide sobre o pedido (demanda) e não sobre a causa de pedir (fato jurídico e relação jurídica, pela teoria da substancialização). Assim, o julgamento pela Câmara foi unânime em acolher o pedido de invalidade do negócio jurídico, reconhecendo a existência de um fato jurídico consistente em um defeito do negócio jurídico celebrado entre Maria e João. Contudo, não houve unanimidade/acordo sobre qual a relação jurídica presente na lide, ou seja, qual o fundamento jurídico (erro, dolo ou coação) da demanda pleiteada. Assim, é de se questionar a inconstitucionalidade da decisão pela violação ao dever constitucional de motivação das decisões. No caso, não é juridicamente inconcebível a presença de erro, dolo e coação sobre um mesmo fato. Contudo, não pode a causa de pedir ser alternativa, pois os fatos são elementos da causa de pedir e não existe fato alternativo. Mesmo sobre outra perspectiva, se Maria tivesse ajuizado três ações e ocorressem três dissensos dos desembargadores, ainda assim se estaria diante de julgamento que afirmou/proveu, por unanimidade, a existência de invalidade do negócio jurídico, ainda que por fundamentos distintos. Nesse sentido, é precisamente para situações como essa que existe o instituto jurídico da conexão (“reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir”), tendo o próprio legislador admitido que certos casos podem levar ao risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente (artigo 55, §3º, CPC).
    b) O julgamento foi unânime quanto a existência de fato jurídico e ao pedido, mas não quanto a relação jurídica, conforme já explanado no item “a”. Nesse sentido, é precisamente para tentar entender a complexidade do real que a doutrina classifica os institutos jurídicos; no caso, dividindo fato jurídico, relação jurídica e pedido. Desse modo, a discussão cingir-se-ia a fundamentação, com todas as consequências legais.
    c) É cabível a técnica de ampliação do colegiado, pois o dispositivo prevê a convocação de outros julgadores quanto “o resultado da apelação for não unânime” (artigo 942 do CPC) e não quando o pedido for provido ou improvido, de modo que, ao empregar um termo mais aberto como “resultado”, é legítima a interpretação de que cabe a técnica para discussão de capítulos da fundamentação e não apenas do dispositivo. Nesse sentido, seria o caso até de se discutir eventuais efeitos infringentes com a continuidade do julgamento, o que não seria um absurdo, dado que até mesmo os embargos de declaração, excepcionalmente, podem tê-los. Ademais, tal posicionamento seria consentâneo até mesmo com a própria finalidade do instituto, qual seja, expandir a discussão, evitando maiorias ocasionais, e dar margem a uma jurisprudência estável, íntegra e coerente. É de se ressaltar que o problema apresentado só é cabível por causa da adoção pelo ordenamento jurídico brasileiro de um modelo de julgamento “em ilhas” em que cada julgador age de forma isolada e, no fim, apenas se soma ou se tenta somar posicionamentos com fundamentos díspares e, às vezes, incompatíveis. Com vistas a evitar esse tipo de absurdo, certos países adotam modelos de órgãos colegiados em que se produz um acórdão redigido de forma consensual, com uma fundamentação única que manifeste para a sociedade qual é o “entendimento da corte”. Assim, evita-se que se produza um acórdão consistente em uma colcha de retalhos argumentativos.

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    1. Excelente resposta! Essa ideia final (de ilha ou fundamentação consistente), aliás, tem grande relação, respectivamente, com a ideia de democracia agregativa e deliberativa. Sobre os argumentos, foi muito boa a construção no sentido de que o art. 942, ao falar de resultado, inclui mais que o (des)provimento. Como conselho para provas, acredito que vale a pena desenvolver mais alguns institutos que atravessam a resposta (por ex., o que é a teoria da substanciação e sua diferença para a teoria da individuação). E tomaria cuidado com o termo "improvido": embora usado, diria que causa menos estranheza falar "desprovimento".

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  2. Muito obrigado, professor. Aprendendo bastante com seus conselhos.

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