Concursos, tragédias e dissabores da vida - Por Anderson Paiva

By | fevereiro 15, 2020 Leave a Comment



Estudo para concursos é uma prática que mostra resultados a partir da repetição continuada por certo período. Esse lapso, de regra, não é curto, o que pressupõe, pois, dispêndio permanente de energia até que venha a aprovação. Mas o que fazer com a vida que passa, enquanto a aprovação não vem? Não me refiro a prazeres que deixarão de ser desfrutados. Isso está dentro do espaço de voluntariedade de cada um. Aludo a tragédias, dissabores e vicissitudes da vida, os quais a todos assaltam, são inevitáveis e independem do que querem os atingidos.

Quanto tempo se passa estudando para tornar-se, por exemplo, juiz federal? Todo o período necessário à aprovação será de estudo num mesmo ritmo, sempre, sem parar? Já viu um aprovado bater no peito e dizer que estudou por quatro, cinco anos, todos os dias ou de segunda a sábado, sempre tantas horas por dia? Se sim, é quase certo que tenha presenciado uma mentira.

Eu já fiquei meses e meses sem estudar. Perdi minha mãe. Vivia com ela sem pai e na companhia de um irmão um pouco mais novo, egresso da adolescência, como eu. Com ela, não me foi apenas uma genitora. Foi tudo que eu tinha de referência de vida até então. Todos os meus sonhos transitavam em torno daquela pessoa. Morte repentina, daquelas que recai sobre alguém que, pela manhã, está conversando com você e, ao fim do dia, já não mais, vitimada pela hipertensão. Se eu parei de estudar? Ora, eu simplesmente nem mais sabia quem eu era. Ter que estudar nem chegou a ser um problema. Seu cônjuge o deixou, um filho é diagnosticado com câncer, você perdeu o emprego... E há situações menos trágicas mas também perturbadoras, aptas a impor-lhe uma pausa, doída, involuntária, mas uma pausa, como uma reprovação por meio ou menos ponto numa discursiva, ou, para além das hipóteses citadas, qualquer fato sério resultante da multiplicidade de situações que viver nos proporciona.     

Frases como “eu estudava 14 horas por dia”, conquanto de imediato inspirem a ideia de uma rotina horas diárias por anos a fio, na melhor das hipóteses, ostenta apenas meia verdade, considerando que o estudo por tal período teria ocorrido algumas vezes, em momentos de máxima performance. Suponho, por exemplo, que todos os procuradores da república aprovados no último concurso tenham estudado mais que isso, semanas antes da prova oral.

Num momento como o atual, em que abundam pessoas, vindas de todas as partes, exibindo, em redes sociais, seu mundo perfeito e ordenando que se tenha uma vida épica, uma detida reflexão sobre a natureza humana poderá mais uma vez revelar uma verdade eterna: a da finitude e limitação do homem perante certos acontecimentos. A aprovação parece passar pela aptidão a manter-se no caminho por tempo considerável. Mas se, por mais que você não queira, uma pausa involuntária lhe for imposta, o caminho continua no mesmo lugar. Só não o perca de vista.

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