Elaboração de recursos em provas de sentença - Por Diogo Bononi Freitas

By | maio 29, 2019 Leave a Comment

Na semana em que o TJRS divulgou o resultado provisório da prova de sentenças - novamente com muitas reprovações -, recebi mensagens pedindo dicas sobre recursos (ainda no prazo de elaboração). Diante disso, resolvi falar com um grande amigo, que, de imediato, aceitou o convite para escrever. O amigo Diogo, juiz do TJRS, reprovou no resultado provisório das sentenças do concurso de 2015-2017 do TJRS. Como bem relatado no texto, Diogo obteve pouco mais de 4 pontos em CADA uma das sentenças (cível e penal), sendo que a aprovação para a prova oral exige nota mínima de 6 pontos em cada sentença. Apesar do inevitável desânimo, Diogo, com o forte incentivo familiar da esposa Patrícia, enfrentou o dilema e conseguiu o improvável provimento em AMBOS os recursos e hoje é juiz do TJRS. A história e dicas do Diogo demonstram que os recursos são, atualmente, uma fase do concurso. Os desprovimentos generalizados certamente ainda existem, mas em quantidade bem menor do que antigamente. Assim, é importante enfrentar com seriedade a fase dos recursos, usando, por exemplo, das dicas objetivas dadas pelo amigo Diogo no post, com base nas quais conseguiu a pontuação necessária. Obrigado mesmo, Diogo!


Como muitos concurseiros, sempre tive o sonho de ingressar na magistratura, e desde o início estava ciente quanto ao árduo trajeto que deveria ser trilhado para tanto. Depois de fazer a primeira fase e a primeira etapa da segunda fase do concurso do TJRS, obtive êxito em ser classificado para, então, realizar a prova de sentença. Nesse momento foi uma mistura de felicidade (por chegar tão perto do sonho) e, ao mesmo tempo, de desespero, já que não havia praticado a elaboração de sentenças tampouco havia sequer confeccionado, em toda minha vida, uma sentença nos moldes exigidos pelos concursos públicos. Até a data da prova, dei meu máximo para aprender e praticar tudo que podia sobre a elaboração das sentenças cíveis e penais. 

Fui fazer a primeira prova (sentença cível) e somente neste dia, quando já estava dentro da sala de prova, tomei conhecimento que as provas de sentenças eram feitas com autos reais (e não um problema narrado em duas ou três páginas, como havia me preparado). Nesse momento, pensei comigo: é óbvio que não vou conseguir, pois estava competindo com pessoas muito bem preparadas tecnicamente e que, diferente de mim, foram minimamente diligentes em se familiarizar com as provas anteriores do concurso do TJRS. De toda forma, me empenhei ao máximo e fiz a prova da melhor maneira possível. 

Sai da prova, obviamente, triste pela minha negligência quanto à observância das provas anteriores; consciente com a inevitável reprovação; e minimamente conformado, por ter dado meu máximo, dentro do que consegui aprender em dois meses e meio de prática de sentença. Na saída da prova ouvi, de candidatos preparadíssimos, comentários que em nada se assemelhavam ao que eu havia escrito na prova. Chegando ao hotel, pensei se compensaria voltar no dia seguinte para fazer a prova de sentença penal, já que na sentença cível não alcançaria o mínimo exigido. Como já havia viajado mais de 1400 km para estar ali, decidi fazer a prova de sentença penal. 

Meses depois, saiu a lista dos habilitados para o exame oral, dentre os quais eu não me encontrava, já que alcancei pouco mais que 4 em cada uma das provas. Em momento algum pensei em recorrer, eis que, na minha visão, o recurso só teria eficácia se eu precisasse de alguns poucos décimos de nota. E como não era o meu caso, pensei que não teria chance real de subir quase dois pontos necessários para atingir os seis pontos mínimos exigidos. É inegável que fiquei muito triste pela reprovação pois, como todos aqueles que prestam concurso, a aprovação é o botão deflagrador de muitos sonhos acumulados (planejamento familiar, organização financeira, satisfação profissional, etc). E no meu caso não era diferente: uma aprovação naquele momento me permitiria concretizar, dentre outros tantos, o sonho meu e de minha esposa em planejar nosso primeiro filho, além da independência financeira e da satisfação pessoal de exercer a função que sempre sonhei. Enquanto olhava a lista, vi todos esses nossos sonhos se esvaindo e sendo postergados para um futuro indefinido. Mesmo assim, agradeci a Deus pela oportunidade de ter chegado tão longe e voltei a estudar. 

Neste momento a Patrícia, minha esposa, que compartilhava comigo aquele sentimento, me disse: "Você tem que recorrer das suas notas. Sua prova não foi ruim como você disse. Você tem chances e deve recorrer". Inicialmente eu neguei essa alternativa, devido à remota chance de êxito. Mas, mesmo contrariado, resolvi elaborar o recurso. E graças a Deus, obtive êxito na aprovação. Além do fundamental papel incentivador da minha esposa – sem a qual eu não teria alcançado esse meu sonho - contei também com uma valiosa ajuda de um professor (Marcelo Furlanetto) que, além de ter me dado um grande suporte motivacional, ajudando a manter acesa a esperança da aprovação, me ensinou como elaborar corretamente recurso de uma prova de sentença. E nesse ponto que me dirijo a aqueles que hoje se encontram na mesma situação que passei há quase dois anos atrás: elaborar recursos de provas de sentenças. 

Dos conhecidos que auxiliei na elaboração de recursos de provas de sentença, percebi que é muito comum que os candidatos, irresignados com a recém-reprovação, elaborem recursos com notável carga emocional, em detrimento da objetividade que se espera. 
Por vezes, insurgem-se até se insurgindo contra aspectos discricionários da banca examinadora (como a escolha do tema/processo, por exemplo). Parece óbvio isso mas não é demais lembrar que essa postura resulta, invariavelmente, na pronta rejeição do recurso interposto, desperdiçando-se, assim, a última chance que talvez o candidato pudesse ter. Portanto, não há segredos nem milagres para se obter êxito com recursos de provas. O resultado positivo advém, basicamente, da somatória de dois fatores: ter elaborado uma sentença relativamente boa (e quanto a isso cabe a reflexão pessoal de cada um acerca da prova que fez) e saber se dirigir à banca para solicitar a reanálise da sua prova, ponto este que tentarei ajudá-los com algumas dicas que aprendi e utilizei em meu caso e também em outros casos de conhecidos que tive a oportunidade de ajudar: 

I) Seja rigorosamente objetivo, sucinto e claro na sua exposição/fundamentação, de modo a demonstrar ao examinador que os fundamentos de sua prova de sentença encontram ressonância na sentença e/ou no acórdão paradigma. Não escreva nada que não seja necessário ao que pretende; 

II) Não aconselho comparar os julgamentos do Tribunal para qual está fazendo a prova com o posicionamento de outros Tribunais pátrios. Primeiro porque cada Tribunal tem seu posicionamento acerca de determinado assunto (Ex.: o TJRS possui diversos posicionamentos bem específicos e inovadores, se comparado com o restante das Cortes pátrias). Além disso, o examinador sabe o que as Cortes Superiores pensam acerca do tema e, naquele momento (recurso), o que ele pretende é que o candidato siga a posição da comissão/banca ou, que ao menos a mencione como uma das correntes possíveis, sem desprestigiá-la. 

III) Não se insurja contra a (in)justiça da sentença/acórdão paradigma do caso, tampouco quanto aos demais aspectos que circundam o caso concreto, pois se o examinador escolheu determinado tema/processo, é porque com ele possui afinidade e não pretende, no recurso do candidato, ler críticas a esse respeito, mesmo porque essa escolha é uma discricionariedade da comissão/banca. Muito embora se esteja fazendo uma prova simulando a atuação profissional para o cargo que almeja, não se pode esquecer que ainda não se tem a faculdade, neste momento, de lançar posicionamentos de forma livre e destoante do acórdão paradigma, ainda que bem fundamentados; 

IV) Não deixe que os argumentos de seu recurso denotem prepotência ou soberba. Exponha-os de forma coerente e clara, e mantenha a humildade sempre no momento de se insurgir contra a correção de sua prova, afinal sua postura pessoal é também avaliada nesse momento. No recurso de sua prova – assim como em qualquer fase do certame - não é o momento para disputar conhecimento jurídico com o examinador mas sim para mostrar que a sua prova, por algum motivo muito justo, merece ser pinçada entre as centenas existentes e, assim, ser reavaliada com cautela. 

V) Não é demais ressaltar que o recurso será sua única e última oportunidade de chamar a atenção da banca para a necessidade de reapreciação do mérito da avaliação, visto a impossibilidade de se rediscuti-los na esfera judicial. 

VI) não recorra de forma genérica mas sim aponte item por item do espelho de prova que entenda pertinente, argumentando cada um individualmente e requerendo, ao final de cada um deles, a majoração da nota no patamar compatível com o enfrentamento da matéria (neste ponto, caberá uma análise, de forma racional, acerca do atendimento do critério e do merecimento de nota máxima ou não). Espero ter contribuído com algo e desejo sucesso a todos que hoje ou no futuro, se deparem com essa etapa! Nunca percam a esperança de “virar o jogo”!


Atenciosamente,

DIOGO BONONI FREITAS
Juiz de Direito


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