Trajetória nos concursos - Hallana Duarte Miranda

By | janeiro 10, 2020 Leave a Comment


A trajetória de Hallana Duarte Miranda, aprovada para juíza do TJSP e do TJCE, é muito emocionante! Considero-me muito felizardo de poder conhecer histórias tão bonitas e de superação como a de Hallana, por quem nutro a mais sincera admiração e amizade desde a 1ª turma do curso de prova oral! Hallana retrata muito bem no texto o impacto desproporcional vivenciado por mães nos concursos diante da cultura que coloca a maternidade como sanção ("estragou a vida..."), inclusive institucional (como motivo de não contratação para determinado cargo, tal como sucedeu com Hallana). Mesmo passando por provas extremamente difíceis, a frase mais forte que Hallana vivenciou ilustra muito bem a vida de muitas mães concurseiras: "Nessas alturas ouvi dela: 'mãe, quando eu crescer não quero essa coisa de ser Juíza [...] as mamães juízas não ficam com seus bebês e eu quero ficar com meus bebês quando eu for adulta'. Acho que essa frase resumiu minha ausência e me acertou em cheio com mais velocidade que as perguntas dos examinadores que eu tanto temia e admirava". Obrigado pelo relato, Hallana! Certamente vai inspirar muitas mães concurseiras! E sua experiência de vida servirá como substrato, aliado ao sólido conhecimento técnico que já possui, para ser uma juíza AINDA mais completa!

O que quero transmitir é: os sonhos são possíveis, acredite; chegar até eles é um caminho de renúncias que atinge também quem amamos.  
Me chamo Hallana, tenho 28 anos, nasci no interior de São Paulo (Vale do Ribeira) onde, até os 7 anos, morei na zona rural, sem água encanada e luz elétrica. Meus pais eram lavradores e andávamos 6 Km, a pé, até a estrada para a cidade. Aprendi a ler e escrever em casa, com meus pais, pois não havia transporte para a escola e eu fui matriculada depois dos 7 anos. Depois, fomos para a cidade, minha mãe passou a trabalhar como empregada doméstica e meu pai faleceu em um acidente, quando eu tinha 11 anos. Passei a adolescência estudando em Escola Pública, fiz um único vestibular aos 16 anos e fui aprovada numa Universidade Pública no PR, em Direito. Fui embora de SP para o PR em 2009 (com uma mala de roupas, pouco dinheiro e muita coragem). 
Durante a faculdade sobrevivi com dificuldade, me sustentando quase que integralmente com o salário dos estágios, o pouco dinheiro que minha mãe podia mandar e a ajuda dos meus tios. Fiz estágio no MP e em Gabinete de Juiz (sempre obtendo as vagas depois de passar em testes seletivos), onde fui estagiária e, logo em seguida, quando me formei, assessora. Me formei em dezembro de 2013. Em 2014 não estudei. Planejava iniciar em 2015, razão pela qual em dezembro de 2014 eu estava guardando dinheiro, queria mudar para um emprego melhor (já tinha feito um teste seletivo com uma Juíza do PR) e comprar livros para estudar. Mas, em Janeiro de 2015, me descobri grávida. Por causa disso, a minha futura chefe não aceitou trabalhar comigo. Segundo ela, apesar da minha competência demonstrada no teste, ela “não trabalhava com mulheres grávidas ou com filhos”. Ouvi de muitos colegas que “estraguei minha vida” engravidando antes de estudar e que “com filhos eu iria desistir do meu sonho”. No começo, paralisei. No entanto, entendi a gravidez como algo da vida para mim, uma lição a ser aprendida. 
Mergulhei de cabeça em tudo que dizia respeito aos filhos e maternidade e deixei (temporariamente) de lado a ideia de estudar. A Maria nasceu em outubro de 2015, quando fiz uma opção consciente de não estudar no primeiro ano de vida dela, pois queria viver aquelas sensações de proximidade e criação de vínculos por inteiro. Quando ela tinha quase um ano, uma amiga me convidou para fazer um cursinho de carreiras jurídicas. Eu aceitei, me matriculei, mas não tive coragem de iniciar as aulas, pois teria de ficar todas as noites longe da Maria. Desisti antes da primeira aula. Ainda em 2016, tentei iniciar os estudos por sinopses, lendo em casa. O fiz por um mês, mas minha mãe teve uma doença grave e tive de interromper, mais uma vez, os estudos. Em 2017, quando a Maria tinha um ano e meio, iniciei. 
Eu trabalhava 7 horas por dia no TJPR (12 às 18). Fazia uma pós-graduação dois dias na semana (sexta e sábado). No lugar de projetar quantas horas de estudo eu QUERIA ter, projetei quantas horas eu PODIA ter. Deixava a Maria na casa da minha mãe de segunda até quinta, às 8 da manhã, para que eu pudesse estudar até as 11. Na sexta, como eu tinha pós, não estudava de manhã, ficava com ela. Tentei equilibrar a minha presença e a dedicação com os estudos. Eu procurava não estudar no período da noite, além de não o fazer para poder me manter amamentando nesse período, o que é especialmente cansativo. Entendi que eu deveria ser constante a ponto de nunca deixar de estudar, mas flexível a ponto de fazer da vida uma vida de estudo. Se um dia a Maria ficava doente, eu ficava com ela. Quando ela melhorava eu levantava mais cedo e colocava em dia o que estava atrasado. Eu lia no ônibus indo para o trabalho e olhava o site dos Tribunais Superiores nos intervalos do trabalho. Depois do expediente ficava mais meia hora, tentando fazer algumas questões. Eu terminava de amamentar e usava o aplicativo de questões enquanto a Maria dormia do meu lado. 
Optei por não ver vídeo aulas, não fazer resumos escritos, nem ler doutrina capa a capa. Optei pelas sinopses por ser a única leitura possível com meu pouco tempo e sobrecarga de tarefas. Minha opção estava ciente das minhas formas de aprender: mais lendo do que escrevendo ou ouvindo + boa base na faculdade das duas matérias mais extensas (CC e CPC). Desde 2017 vim estudando sem pausas longas, sempre mantendo o “ritmo”. Nas primeiras provas que fiz levava a Maria junto. Fatalmente, em 2018, eu já estava completando um ano de estudo nesse ritmo, sendo impossível conciliá-lo. Dormia e acordava cansada, trabalhava muito, estudava o máximo que conseguia e não queria parar de amamentar (além de estar a 10 pontos do corte na primeira fase desde que havia iniciado os estudos). Decidi parar de trabalhar para ter mais tempo com a Maria. Pedi para ser exonerada em Maio, me comprometendo a trabalhar até Agosto de 2018. Nesse dia minha ex-chefe me disse: “Hallana, faz o certo. Um filho jamais será realizado se sua mãe não for, por maiores as renúncias que vc fizer para estar com ele”. 
Nessa época houve a primeira fase do TJCE 2018 (primeiro concurso de Magistratura em que fui aprovada), que por ser longe e as passagens caras, não me permitiu levar a Maria. Foi a primeira vez que viajei sem ela e que não a amamentei de noite. No aeroporto, pensei em desistir, embarquei chorando e cheguei lá chorando, no sábado. Fiz a prova no domingo e voltei logo depois da prova, chorando. Em agosto de 2018 parei de trabalhar para me dedicar aos cuidados com a Maria e ao estudo. A rotina se tornou menos cansativa (ela ficava de manhã comigo e de tarde ia para a minha mãe), mas a “culpa” por estar passando o tempo e ver o filho crescendo é sempre uma faca que corta na carne. Do fim de 2018 e até outubro de 2019 eu passei estudando, tendo amamentado minha filha até os 3 anos (outubro de 2018). Muitos domingos e não saía para brincar com ela. Muitos domingos ela viajava com o pai para a casa dos avós para eu poder estudar. 
Nesse ano fiquei sem ela no dia das mães, pois a segunda fase do TJMT estava marcada para esse dia. Em 2019 veio uma fase mais difícil para nós duas, a prova oral do TJSP. Eu precisava aplicar uma dedicação ainda maior, pois essa prova me parecia decisiva no desejo de poder voltar para o meu Estado. Aumentei as horas de estudo e diminuí meu tempo com a Maria (que voltou a ficar dois períodos com a minha mãe). Faltei nos programas de domingo, inclusive na festa de aniversário de 4 anos (duas semanas antes da minha prova oral). Foi um sacrifício dolorido, mas me sentia tão perto, tão tão perto de um sonho que já tinha sido tão distante (ser Magistrada no meu Estado). Optei por “nos sacrificar” por dois meses e meio, ficando com ela menos do que em outras épocas. 
Nessas alturas ouvi dela: “Mãe, quando eu crescer não quero essa coisa de ser Juíza [...] as mamães juízas não ficam com seus bebês e eu quero ficar com meus bebês quando eu for adulta”. Acho que essa frase resumiu minha ausência e me acertou em cheio com mais velocidade que as perguntas dos examinadores que eu tanto temia e admirava. 
Felizmente fui aprovada na oral do TJSP. O sonho que pareceu inacreditável se tornou real tal qual os momentos de choro pela falta que sentia da Maria e que ela sentiu de mim. Eu me comprometi com o estudo de corpo e alma, pois pensava que se era para deixá-la sem mim para que eu pudesse estudar, deveria honrar esse tempo dando o máximo. Hoje estamos aqui apenas para dizer que é possível. Deixo um abraço aos colegas e, especialmente, para as mães que estudam. Vocês não estão sozinhas!


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